A quitanda. Muito sol e a quitandeira à sombra da mulemba.
- Laranja, minha senhora, laranjinha boa!
A luz brinca na cidade o seu quente jogo de claros e escuros e a vida brinca em corações aflitos o jogo da cabra-cega.
A quitandeira que vende fruta vende-se.
- Minha senhora laranja, laranjinha boa!
Compra laranja doces compra-me também o amargo desta tortura da vida sem vida.
Compra-me a infância do espírito este botão de rosa que não abriu princípio impelido ainda para um início.
Laranja, minha senhora!
Esgotaram-se os sorrisos com que chorava eu já não choro.
E aí vão as minhas esperanças como foi o sangue dos meus filhos amassado no pó das estradas enterrado nas roças e o meu suor embebido nos fios de algodão que me cobrem.
Como o esforço foi oferecido à segurança das máquinas à beleza das ruas asfaltadas de prédios de vários andares à comodidade de senhores ricos à alegria dispersa por cidades e eu me fui confundindo com os próprios problemas da existência.
Aí vão as laranjas como eu me ofereci ao álcool para me anestesiar e me entreguei às religiões para me insensibilizar e me atordoei para viver.
Tudo tenho dado.
Até mesmo a minha dor e a poesia dos meus seios nus entreguei-as aos poetas.
Agora vendo-me eu própria. - Compra laranjas minha senhora! Leva-me para as quitandas da Vida o meu preço é único: - sangue.
1 comentário:
Quitandeira (Agostinho Neto)
A quitanda.
Muito sol
e a quitandeira à sombra
da mulemba.
- Laranja, minha senhora,
laranjinha boa!
A luz brinca na cidade
o seu quente jogo
de claros e escuros
e a vida brinca
em corações aflitos
o jogo da cabra-cega.
A quitandeira
que vende fruta
vende-se.
- Minha senhora
laranja, laranjinha boa!
Compra laranja doces
compra-me também o amargo
desta tortura
da vida sem vida.
Compra-me a infância do espírito
este botão de rosa
que não abriu
princípio impelido ainda para um início.
Laranja, minha senhora!
Esgotaram-se os sorrisos
com que chorava
eu já não choro.
E aí vão as minhas esperanças
como foi o sangue dos meus filhos
amassado no pó das estradas
enterrado nas roças
e o meu suor
embebido nos fios de algodão
que me cobrem.
Como o esforço foi oferecido
à segurança das máquinas
à beleza das ruas asfaltadas
de prédios de vários andares
à comodidade de senhores ricos
à alegria dispersa por cidades
e eu
me fui confundindo
com os próprios problemas da existência.
Aí vão as laranjas
como eu me ofereci ao álcool
para me anestesiar
e me entreguei às religiões
para me insensibilizar
e me atordoei para viver.
Tudo tenho dado.
Até mesmo a minha dor
e a poesia dos meus seios nus
entreguei-as aos poetas.
Agora vendo-me eu própria.
- Compra laranjas
minha senhora!
Leva-me para as quitandas da Vida
o meu preço é único:
- sangue.
Talvez vendendo-me
eu me possua.
- Compra laranjas!
(Sagrada esperança)
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